Manifesto Pan-Africanista, cumprir África! A missão da nossa geração

As lutas dos povos africanos contra a Colonização, a Escravatura, o Apartheid, o Racismo e todas as formas de opressão, contribuíram imenso para a reconstrução de África, e para a dignificação dos nossos povos. 

A história de África encarna a resistência e a determinação do seu povo. Várias gerações de homens e mulheres africanos mobilizaram esforços incalculáveis para nos devolverem a terra, a soberania e a liberdade em todas as suas dimensões. E é graças à luta destes pais e mães da revolução que hoje existimos, respiramos e nos reconhecemos como irmãos e irmãs. 

Contudo, se de facto conquistámos as nossas Independências formais, o imperialismo e o colonialismo não foram ainda completamente abolidos. Pelo contrário, alargaram as suas malhas e plantaram sementes nas entranhas dos nossos próprios países perpetuando a dominação. O capitalismo, nascido da Escravatura, não se contentando com a exploração dos recursos naturais e a mão de obra barata, converteu todo um continente num mercado de escoação dos seus produtos e num laboratório de experimentação política, sanitária, militar e económica. Os únicos que de facto têm beneficiado com as sobejamente conhecidas riquezas naturais de África são as empresas ocidentais detentoras de todos os meios e fatores de produção. O que resta às nossas populações é a pobreza extrema, o brutalismo estatal e a morte indigna. 

Nos jornais, projeções e relatórios de instituições sediadas no coração do imperialismo, títulos pomposos afirmam que: “O futuro do mundo se encontra em África”. Longe de ser alguma epifania quanto aos imensos contributos do continente para o mundo, e o reconhecimento do seu papel como berço da humanidade e das civilizações, trata-se, pelo contrário, de uma leitura economicista, utilitarista, colonial, que reduz, novamente, o continente e os seus habitantes à condição de meras matérias-primas para o futuro do Ocidente. 

A situação atual de África é ainda marcada pelo neocolonialismo. Na maior parte dos países, as nossas elites governantes, monopolizando todos os privilégios, voltaram as costas às realidades nacionais e fixaram os olhos nas antigas metrópoles em busca dos seus serviços, traindo os princípios de liberdade e da soberania do povo, que oprimem quotidianamente, censurando-o, empobrecendo-o, tribalizando-o. 

Este é o caso de países como a Guiné-Bissau, onde o Presidente Umaro Sissoco Embaló, com a cumplicidade de instituições regionais entre as quais a CEDEAO, apoderou-se do poder e tem desmantelado todos os alicerces do Estado, violentando e tribalizando o povo. As manifestações têm sido proibidas e as vozes que ousam protestar, são silenciadas. 

É igualmente o caso de Cabo Verde cujo governo, que tem assinado acordos e parcerias com potências estrangeiras, que vão contra os interesses do povo e de África, mormente no âmbito da segurança, das migrações e da pesca, negligencia a luta das classes trabalhadoras, nomeadamente dos professores, e persegue aquelas que mobilizam a economia interna, como é o caso das mulheres rabidantes. 

Na diáspora, o racismo não só tem fechado portas, como tem solidificado a afrofobia, aumentando as suas vítimas. Em Portugal - e um pouco por toda a Europa - para além de um racismo e xenofobia cada vez mais disseminados, verificamos a manutenção de territórios socialmente, criminalizados e marginalizados através de medidas políticas que legitimam intervenções policiais musculadas , sobretudo nas periferias, onde as pessoas africanas trabalhadoras são relegadas à condição de cidadãos de segunda categoria. 

Em todo o mundo, a presença das pessoas negras e dos imigrantes africanos continua a ser vista como problema.

Em julho de 2003, a União Africana reconheceu a diáspora como sendo a sua sexta região. Porém, as milhares de pessoas africanas que circulam no mundo e que contribuem para o desenvolvimento do continente, continuam completamente abandonadas pelos países e instituições africanas, sobretudo em situação de racismo e xenofobia. 

A pandemia da COVID-19 demonstrou novamente que a África e as pessoas africanas estão na base da pirâmide mundial, revelando como a história da Colonização continua a ser encenada no cotidiano. Na verdade, durante as crises globais (sanitárias, económicas ou ambientais), as pessoas negras e africanas são as primeiras a sofrer as consequências e as últimas a serem salvas. Ainda que o continente africano tenha sido o menos afetado pelo coronavírus, foi um dos mais afetados pelas suas consequências sociais e económicas. No Brasil e nos EUA, o número de mortes da população negra foi muito maior porque esta teve menos possibilidades de vacinação.

Em países como o Sudão, mergulhado numa crise humanitária que já vitimou mais de 14 mil vidas, segundo dados da ONU, os efeitos nefastos da colonização são também evidentes. A divisão arbitrária de fronteiras coloniais, a exploração desenfreada de recursos naturais e a imposição de sistemas de governo que não respeitam as estruturas sociais locais, deixam um legado de instabilidade e conflito - exacerbados por estas divisões impostas, enquanto que a interferência externa continua a agravar a situação, perpetuando um ciclo de pobreza e violência. 

Na República Democrática do Congo, a pérola do imperialismo em África por concentrar, em variedade e quantidade, recursos-chave para algumas economias mundiais desde a sua Independência, o território tem sido alvo de pilhagens sistemáticas pelas grandes empresas ocidentais que participam ativamente na desestabilização do país, financiando grupos armados e redes criminosas. Esta situação fabrica uma série de conflitos que vulnerabilizam as comunidades provocando milhares de mortos e deslocados internos. O Congo é um território politicamente relevante para África e a sua desestabilização participa deste processo de sabotagem sistemática da unidade africana. 

Tal como os nossos antepassados que lutaram pela libertação total do continente, estamos cientes que existe uma articulação entre as grandes potências mundiais para manter África e os africanos numa espécie de submundo. Contudo, assim como Toyin Falola, acreditamos que “África nunca falhará”. A nossa geração sedenta de conhecimento direto e desejosa de aprender para transformar já não acredita nas falsificações sobre a nossa história e tem buscado, cada vez mais, regressar às fontes, escutar de forma profunda a África para melhor questionar a biblioteca colonial.

Este desejo por mudança é hoje uma força que não pode ser contida. Por todo o continente, as populações, com as suas organizações de base, têm ocupado as ruas para denunciar os abusos de poder e o servilismo colonial. 

As mobilizações anti-imperialistas no Sahel levaram a um processo revolucionário, ainda em curso, que derrubou a presença militar francesa no território. 

A mobilização no Congo tem contestado igualmente a presença militar americana. 

No Senegal, o povo saiu às ruas para defender a democracia. Graças à sua união combativa, Macky Sall, um dos presidentes mais submetidos e obedientes às subjugações dos cães francofonia, caiu. Esperam-se agora mudanças significativas do regime, tanto no país como nas condições de vida da diáspora senegalesa que, em muitos casos foram obrigados a sair do país em condições inseguras e perigosas enfrentando uma longa travessia pelo mar até chegarem à Europa

Na Guiné-Bissau, pese embora a ditadura e o brutalismo do Estado, há um amplo e diversificado movimento popular, constituído por sindicatos e uniões sindicais, movimentos sociais e estudantis, que têm combatido tentativas ditatoriais e o desrespeito pelos resultados eleitorais e a própria Constituição do país, através de diversas formas de protesto.

Em todo o mundo africano, a chama revolucionária tem contagiado as mais diversas comunidades. Os africanos almejam novas formas de liberdade e sabem que é preciso lutar por isso, enfrentando os poderes e a má governação instalados há décadas, assim como as interferências externas que contribuem para o atraso e a deslocação de bens e recursos para fora do continente.

A África que nós queremos não é apenas um território físico e próspero, é também uma ideia, uma visão vivificante do mundo que se pode transpor para o quotidiano dos seus povos, dignificando-os. Acreditamos que uma África forte beneficiará todos os africanos, onde quer que estejam. Neste sentido, o Renascimento africano, como afirmou Yoporeka Somet, é um “imperativo existencial” .

No contexto da comemoração dos cinquenta anos das Independências da Guiné-Bissau, Cabo-Verde, Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe - assim como também do centenário do nascimento do líder revolucionário do PAIGC, Amílcar Cabral - nós, pessoas africanas e afrodescendentes, comprometidos com o legado e os princípios do pan-africanismo revolucionário, determinados em cumprir a nossa missão geracional de continuar a luta iniciada pelos combatentes que libertaram os nossos países do jugo colonial, e convictos de que do continente à sua diáspora, a África deve unir-se, escrevemos este manifesto para dar conta das nossas profundas aspirações :

- A unidade africana, via Federação dos Estados no continente e nas Caraíbas, é a solução contra o neocolonialismo. Esta unidade, que tem sido preconizada pelos povos da África global, é o nosso desejo mais profundo e deve ser construída sob o princípio sagrado da soberania do Povo. 

- África, os africanos e as africanas, têm um papel fundamental na abolição do colonialismo, do capitalismo, do patriarcado e de todos os sistemas de opressão. No final do século XXI, África representará cerca de 40% da população mundial. O berço da humanidade será a casa de uma juventude cada vez mais vibrante e crítica que é chamada a liderar a reconstrução do nosso mundo e do nosso planeta.

- A extinção completa do Franco-CFA, a revisão de todos os acordos e parcerias económicas assinados com o Ocidente, mormente os APE, e a criação de uma zona económica continental pan-africana é o único caminho para a soberania financeira e económica de facto.

- A retirada de todas as bases militares ocidentais no continente, acompanhada da revisão de todos os tratados, parcerias ou protocolos no âmbito da segurança, mormente a AFRICOM e SOFA, assinados a nível bilateral ou multilateral, assim como o estabelecimento de uma arquitetura de paz e segurança calcada num realismo pan-africanista, devem ser prioridade, acompanhadas da criação de uma estratégia de defesa comum, e tecnologicamente autónomo.

- A União Africana, enquanto um bloco continental, deve constituir-se enquanto força geopolítica protagonizando a descolonização das organizações internacionais e, assumir um lugar permanente no conselho de segurança das Nações Unidas.

- África deve ser um continente aberto à circulação livre e segura de todos os africanos. A abolição das fronteiras herdadas da colonização é um passo imprescindível para colocarmos fim à ordem estabelecida em Berlim e para permitir o encontro e a reconciliação com todos os africanos, incluindo a diáspora.

- A unidade africana deve incluir os países das Caraíbas, mormente o Ayiti, a primeira república negra no mundo cuja luta deve ser reconhecida. 

- Os problemas da diáspora negra e africana devem ser reconhecidos como problemas da África e a União Africana deve encetar todos os esforços para proteger as populações negras e africanas onde quer que estas se encontrem.

- Os povos de África devem lutar contra a xenofobia, o tribalismo, o machismo, a homofobia e o racismo nos seus próprios termos, com todas as suas forças. 

- A história e a memória devem ser objetos de reflexão panafricana. Neste sentido, faz-se necessária a criação de um dia de luto e da reconciliação africana em memória das vítimas do tráfico transatlântico e transaariano. Deve constituir-se igualmente, um dia de memória de todas as vítimas de genocídios, massacres e guerras civis.

- A questão das reparações pelos crimes dos quais África foi vítima, deve estar na agenda política enquanto prioridade. 

- Deve ser adotada uma educação panafricana que valorize a história de África e da diáspora, e sublinhe a prática da libertação, fazendo uso das línguas africanas, que a nosso ver, devem ser oficializadas. 

- As forças de segurança africanas, mormente as forças policiais, devem ter como prioridade proteger a dignidade de cada africano e africana e a violência policial contra os fragilizados deve ser banida.

- A reconstrução africana deve ser ecológica e ter em conta os desafios ambientais que enfrentamos, protegendo as pessoas, os territórios e a vasta biodiversidade do continente.

- A unidade africana deve mostrar uma solidariedade combativa para com a luta de todos os povos oprimidos mormente da Palestina, Nova Caledónia, Papua Ocidental entre outros. 

A libertação dos territórios africanos como Ilhas Reunião e Mayotte do jugo francês deve ser uma prioridade assim como, o reconhecimento da independência do povo Saaraui. 

- A unidade africana deve apostar no soft power e promover a Afrofilia nas suas relações internacionais, mas também inculcando-o como prática pedagógica interna. 

Como Frantz Fanon, escolhemos também cumprir a nossa missão! Aspiramos um pan-africanismo das bases, das massas, um pan-africanismo à medida do povo. Uma revolução panafricana !

Participam neste manifesto 

  • ANASTÁCIA - Centro de Estudos e Intervenção Decolonial

  • AFROLIS

  • Batukaderas Bandeirinha Panakrikanista

  • Firkidja di Pubis 

  • Konferénsia Panafrikanu di Lisboa

  • Nô Raiz 

  •  Movimento Federalista Pan Africano, em Cabo Verde

  • Movimento Negro de Portugal 

  • MBONGI 

  • União dos Estudantes Cabo-verdianos de Lisboa

  • Tabanka Sul 

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Mukanda | 25 Maio 2024 | África, panafricanismo